sexta-feira, 17 de junho de 2011

o paleontólogo Alexander Kellner.



O paleontólogo Alexander Kellner pode não ser nenhum personagem do filme Jurassic Park, mas participou da descoberta e estudo dos principais fósseis de dinossauros já encontrados no Brasil. Seu mais recente trabalho, o Thalassodromeus sethi, fez com que, pela primeira vez, um trabalho científico 100% brasileiro fosse capa da prestigiada revista Science.
Em 1983, um morador da Bacia do Araripe, região do Cariri, no Ceará, encontrou por acaso um crânio e uma mandíbula, fato que seria até corriqueiro caso o local não fosse considerado um dos maiores sítios de fósseis do mundo, escondendo os restos de dinossauros, pterossauros e outras criaturas que habitavam o período cretáceo entre 110 e 65 milhões de anos atrás.
O morador doou seu achado ao Museu de Ciências da Terra do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), mas somente 19 anos depois - com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) -, o material foi trabalhado pela equipe do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e finalmente concluído.
A nova espécie, chamada de Thalassodromeus sethi, é um novo pterossauro, um gigante voador, parente dos dinossauros, que habitou a Terra há cerca de 110 milhões de anos e que facilitará o estudo da origem e da anatomia não só dos pterossauros, mas também dos pássaros, morcegos e outros animais voadores. A descoberta foi descrita com destaque na prestigiada revista científicaScience, da Associação Americana pelo Progresso da Ciência. É a primeira vez que a revista publica um trabalho de paleontologia realizado exclusivamente no Brasil.
Ilustração: Maurílio S. Oliveira / Museu Nacional
Thalassodromeus sethi
O responsável pelas pesquisas é o paleontólogo Alexander Kellner, professor do Setor de Paleovertebrados do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional. Além do T. sethi, Kellner também coordenou o estudo do Santanaraptor placidus, outra espécie de dinossauro que habitou a Bacia do Araripe. Para se ter idéia da importância dessa espécie, o Santanaraptor é representante de um grupo de dinossauros denominado Tyrannoraptora, ao qual pertence o famosoTyrannosaurus rex, encontrado nos Estados Unidos. Antes dele, nunca fora encontrado algo semelhante na América do Sul.
Filho de pai alemão e mãe austríaca, o paleontólogo nasceu em Liechtenstein e, aos quatro anos, mudou-se para o Brasil com a família. Depois de se formar em Geologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e fazer o mestrado, foi cursar o doutorado na Columbia University, em 1991. Cinco anos mais tarde, ao regressar ao Brasil, Kellner se naturalizou.
Leia a seguir trechos da entrevista com o paleontólogo.
Qual é a importância do Thalassodromeus sethi para o estudo dos dinossauros, mais precisamente sobre os pterossauros?
Trata-se de uma nova forma de réptil voador com uma anatomia totalmente distinta do que se tinha encontrado até a presente data. Entre as feições anatômicas únicas dessa nova espécie, está a enorme crista óssea que praticamente quadruplica a área lateral da cabeça e a terminação do "bico" em forma de tesoura. A crista do crânio contém em sua superfície um complexo sistema de canais, interpretados como a impressão de vasos sangüíneos. Isso indica que a crista era extensamente irrigada por sangue e sugere que esses animais poderiam utilizá-la para regular a temperatura de seu corpo. Essa hipótese está sendo apresentada pela primeira vez. A forma de tesoura do "bico" foi observada apenas em uma espécie de ave, o talha-mar. Isso sugere que o Thalassodromeus também pescava com o bico dentro da água, algo de que não se tinha notícia em um animal fóssil. Vale lembrar que os pterossauros não são aves nem dinossauros. Eles podem ser considerados uma espécie de "primos" ou "irmãos" dos dinossauros que seguiram uma linha evolutiva distinta.
Por que a escolha desse nome, Thalassodromeus sethi
Thalassodromeus pode ser traduzido como "o corredor dos mares", em alusão à sua atividade de pesca, com a mandíbula dentro da água, a exemplo do que faz um pássaro conhecido como talha-mar. Sethi começou como uma brincadeira: todos nós da equipe imaginávamos a visão desse animal pescando há 110 milhões de anos, uma verdadeira visão do inferno! Então, resolvemos utilizar o nome do deus egípcio Seth, que representa o caos. Lembre-se ainda de que o Thalassodromeus deveria ter entre 4,2 e 4,5 metros de abertura alar.
O aspecto mais curioso da nova espécie parece ser o crânio. Qual era a função da grande "crista" no animal que o senhor ajudou a descobrir? 
Entre as funções do crânio, destaco três:
1.ª - Dimorfismo sexual. Machos e fêmeas deviam ter cristas de tamanhos diferentes, o que permitiria que, na época de acasalamento, eles pudessem ser reconhecidos. No entanto, apesar de essa ser uma boa possibilidade, não temos provas concretas, uma vez que apenas um único exemplar deThalassodromeus é conhecido.
2. ª - Reconhecimento dos membros da própria espécie. É possível que o Thalassodromeus sethitenha desenvolvido essa crista para que membros da mesma espécie se distinguissem de espécies distintas. A particular terminação em "V" - única para esse pterossauro - é mais um dado que dá sustentação a essa hipótese.
3.ª - Regulação térmica. Essa é a verdadeira novidade. Como a crista era extensamente irrigada, é possível que essa espécie de pterossauro pudesse resfriar o seu corpo por meio do bombeamento de sangue quente para a crista; com o contado com o ar, o sangue se resfriaria e retornaria para o corpo. Todo animal de sangue quente tem esse problema - precisa se livrar do calor gerado pela sua extensa atividade. Nós, como mamíferos, suamos, mas os répteis não tinham essa possibilidade.
Apesar de não estendermos essa discussão, a crista também deveria interferir na aerodinâmica dessa espécie. Não sabemos ainda como isso poderia se dar - para isso, novos estudos terão de ser realizados.
Segundo a revista Science, uma das características do fóssil do T. sethi é que ele é tridimensional? Qual é a diferença de se estudar um fóssil como esse e um "tradicional"?
Quando citaram que ele é tridimensional, referiram-se ao excelente estado de preservação desse fóssil. Em geral, por terem os ossos muito frágeis, os pterossauros são encontrados compactados, o que dificulta sua observação e descrição. O Thalassodromeus está muito bem preservado, favorecendo muito seu estudo.
O fóssil do T. sethi foi descoberto em 1983, mas só agora foi apresentado. O que ocasionou a demora para terminar o estudo sobre o animal? Foram os tradicionais problemas da ciência brasileira, como falta de verbas e apoio, ou esse é um tipo de trabalho que costuma levar muito tempo para ser concluído? 
Sim, foram problemas de verba. Lembre-se, no entanto, de que desde o início se sabia que esse material era especial.
A Chapada do Araripe é considerada o maior sítio mundial de fósseis de dinossauros. O senhor acredita que a quantidade de estudos relevantes na área da paleontologia produzidos no Brasil condiz com esse fato ou ainda temos muito a melhorar, como o combate ao tráfego de fósseis, notório na região? 
A Chapada do Araripe é o maior e mais importante depósito de fósseis no Brasil, sobretudo para peixes. Internacionalmente, é um dos mais importantes para pterossauros. Já para dinossauros, ela é comparativamente pobre, apesar de o material ser muito bem preservado. Temos, talvez, um exemplar de dinossauro contra cada 40 de pterossauros e 10 de peixes. Certamente, o fato de que importantes estudos venham a ser feitos - sobretudo no Brasil - vai ajudar a preservar essa área. Mas não é só isso - há que se fazer um grande trabalho com a comunidade local para mostrar a importância dos fósseis. É um problema bem complexo.
Ilustração: Museu Nacional

Santanaraptor placidus
É a primeira vez que a revista Science publica um trabalho de paleontologia realizado exclusivamente no Brasil. Qual é o sentimento de se ter o trabalho em destaque nessa prestigiada revista? 
Estamos bastante contentes, sobretudo porque esse trabalho prova que se pode fazer algo assim no país. Basta apenas um pouco de infra-estrutura e auxílio para isso acontecer. Ele dará destaque à paleontologia de vertebrados no Brasil. Você pode ter certeza de que, em breve, outros trabalhos de relevância serão publicados em revistas importantes - não apenas da nossa equipe de trabalho. Mas considero ser fundamental que o "santo da casa" comece a fazer milagres. Nada contra cooperação internacional - visto que a ciência não tem pátria nem deve ter fronteiras "geopolíticas" - mas, se quisermos desenvolver a pesquisa de paleontologia em nosso país, é absolutamente necessário demonstrarmos que podemos fazer algo de qualidade aqui. Para isso, gostaríamos de ter mais apoio, além das agências de fomento (somos muito agradecidos a Faperj pelos auxílios que permitiram esta e outras pesquisas), também da iniciativa privada, que poderá lucrar, além da contribuição científica para o país, com exposição na mídia. É interessante que a iniciativa privada se associe a projetos desse tipo.
Gostaria que o senhor comentasse um pouco a diferença entre a descoberta doThalassodromeus sethi e outra descoberta recente de que o senhor participou, a doSantanaraptor placidus.
Para falar a verdade, não há tanta diferença. Santanaraptor é um fóssil espetacular - dificilmente algo tão interessante será descoberto. Sou franco: aquela foi a minha descoberta mais importante, publicada em 1996 pela revista científica Nature. O Thalassodromeus sethi é um fóssil diferente e tem a sua importância - é minha terceira descoberta mais interessante -, pois permitirá descobrirmos um pouco mais sobre como esses animais viviam.

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